quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Norberto Bobbio - uma breve Biografia

Norberto Bobbio nasceu na capital do Piemonte, no seio de uma família burguesa tradicional, filho de um médico-cirurgião, Luigi Bobbio, neto de António Bobbio, professor primário, depois director escolar, católico liberal que se interessava por filosofia e colaborava, periodicamente, nos jornais. Viveu durante a infância e adolescencia em uma família abastada, com criadas e motorista. Inicia-se no gosto da leitura com Bernard Shaw, Honoré de Balzac, Stendhal, Percy Bysshe Shelley, Benedetto Croce, Thomas Mann e vários outros. Foi amigo de infância de Cesare Pavese com quem conviveu e aprendeu o inglês através da leitura de alguns clássicos. Lia, depois traduzia e comentava.

Não obstante as origens abastadas e o estrato social elevado a que pertence por força da posição social do pai, é marcado por uma educação liberal. Diz na Autobiografia: "na minha família nunca tive a impressão do conflicto de classe entre burgueses e proletários. Fomos educados a considerar todos os homens iguais e a pensar que não há nenhuma diferença entre quem é culto e quem não é culto, entre quem é rico e quem não é rico." E registra: "recordei esta educação para um estilo de vida democrático numa página de Direita e Esquerda em que confesso ter-me sentido pouco à vontade diante do espectáculo das diferenças entre ricos e pobres, entre quem está por cima e por debaixo na escala social, enquanto o populismo fascista tinha em mira arregimentar os italianos dentro de uma organização social que cristalizasse as desigualdades."
Mesmo tardiamente, adquiriu consciência política, e relembra: "não foi no cortiço familiar que amadureci a aversão ao regime mussoliniano. Eu fazia parte de uma família filofascista como de resto o era grande parte da burguesia." Adquire a educação política no liceu Massimo d’Azeglio, nas aulas de Augusto Monti, amigo de Piero Gobetti e colaborador na revista Le revoluzioni liberali, na convivência como Leone Ginzburg, judeu russo, de quem se diz impressionado por uma inteligência viva, um "antifascista absoluto". Completa os estudos na Universidade na companhia de Vittorio Foà, "antifascista desde sempre". Ambos, registra, fizeram-no sair, pouco a pouco, do "filofascismo familiar".
Acaba o liceu em 1927 e inscreve-se na Faculdade de Jurisprudência da Universidade de Turim. Convive com professores notáveis, que lhe ajudam a moldar a personalidade, os gostos e a traçar o seu próprio caminho. Em 1931, licencia-se em Jurisprudência com uma tese de Filosofia do Direito.
Em 1935 obtém um lugar de docente de Filosofia do Direito na Universidade de Camerino, mas são-lhe levantadas dificuldades dada a prisão e a pena de advertência a que é condenado no ano anterior. Escreve a Benito Mussolini pedindo que lhe seja removida a pena. A carta é pungente e será sessenta anos mais tarde citada como prova de fraqueza e de cedência dos intelectuais antifascistas. Declara a este propósito ao jornalista Giorgio Fabre que subscrevera a peça no semanário Panorama: "quem viveu a experiência do Estado de ditadura sabe que é um Estado diferente de todos os outros. E até esta minha carta, que agora me parece vergonhosa o demonstra (…) A ditadura corrompe o espírito das pessoas. Constrange à hipocrisia à mentira ao servilismo."
Conquistada a cátedra em Camerino é chamado para a Universidade de Siena em fins de 1938, onde permanece dois anos. Em dezembro de 1940 obtém a cátedra de Filosofia de Direito na Faculdade de Jurisprudência da Universidade de Pádua. Em 1948, Bobbio transfere-se para a Universidade de Turim cabendo-lhe primeiro a regência da cadeira de Filosofia do Direito e depois, a partir de 1972, a de Filosofia Política. A sua dupla atracção pelo direito e pela filosofia mas também pela história das ideias, influenciam um percurso académico distinto do que era tradicional, na Itália, para um professor de direito. Ao leccionamento das matérias da filosofia do direito e da teoria das relações jurídicas, Bobbio associa cursos monográficos, de carácter histórico, destinados a divulgar o pensamento dos grandes filósofos e das principais correntes da História das Idéias (e da Filosofia). Estes cursos, como o sublinha Celso Lafer, inspiram-se no seu mentor e mestre, Gieole Salori, que divulgara através de apostilas e monografias pensadores como Grotius, Spinoza, Locke, Kant e Hegel "à maneira de um professor da Faculdade de Filosofia e não de uma Faculdade de Direito".

O seu interesse pela história das idéias leva-o a partir de 1962 a leccionar Ciência Política, juntamente com Filosofia de Direito, constituindo a sua cátedra em Turim paralelamente à de Giovanni Sartori, em Florença, as primeiras na área das Ciências Sociais, em Itália. Em 1972, transita para a Faculdade de Ciências Políticas da mesma cidade, indo substituir Alessandro Passarin d’Entrèves" na cátedra de Filosofia Política. Dirige vários cursos, nomeadamente "Teoria das formas do governo na história do pensamento político" em que perspectiva a partir da trilogia clássica das formas de governo (monarquia, aristocracia e democracia) a história das tipologias e a formação do pensamento democrático.

Sete anos depois (1979) jubila-se da actividade docente, com setenta anos, mas mantém-se activo na reflexão e na escrita. É substituído pelo seu discípulo Michelangelo Bovero que organizará no fim dos anos 90 uma compilação de apontamentos das suas aulas sob o título Teoria Geral da Política – a filosofia política e as lições dos clássicos. É membro nacional da Academia dei Lincei, desde 1966 e membro correspondente da British Academy, desde 1965.
Seu pensamento, durante grande parte da maturidade de sua carreira, esteve circunscrito ao círculo restrito dos meios intelectuais italianos, mas vem se tornando gradualmente conhecido em todo o mundo, primeiro por força dos seus estudos de filosofia do direito, sobre o jusnaturalismo e positivismo jurídicos, sobre a constructibilidade dos sistemas constitucionais, depois, pelos seus ensaios e polémicas sobre a democracia representativa, o ofício dos intelectuais, a natureza e as múltiplas dimensões do poder, a díade esquerda-direita, o futuro de um socialismo não-marxista e democrático, e finalmente os problemas da relação truculenta entre ética e política.
No campo da Filosofia do Direito Norberto Bobbio incorpora-se na corrente dos que identificam no corpo doutrinal três áreas de discussão: uma área ontológica, da Teoria do Direito, que se preocupa com o direito com existe, procurando alcançar uma compreensão consensualizada dos resultados da Ciência Jurídica, da Sociologia Jurídica, da História do Direito e outras abordagens complementares; uma área metodológica que compreende uma Teoria da Ciência do Direito e que recai no estudo da metodologia e dos procedimentos lógicos usados na argumentação jurídica e no trabalho de aplicação do Direito; e, por fim, uma área filosófica materializada numa Teoria da Justiça como análise que determina a valoração ideológica da interpretação e aplicação do Direito, no sentido da valorização crítica do direito positivo.
A mais recente bibliografia dos seus escritos enumera 2025 títulos entre obras de ensaio, direito, ética, filosofia, peças de comentário político. Mas se há um traço comum que une esta vasta e diversificada obra intelectual é a postura do professor que procura de forma simples e intuitiva transmitir a quem o ouve (ou lê) as ideias matrizes de uma riquíssima história das ideias ocidentais e a preserverante defesa das regras do jogo democrático como indispensável à própria sobrevivência da democracia.

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